domingo, 4 de maio de 2008

Ausência


"Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada 'impulso vital'. Pois esse impulso, às vezes cruel porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará, quem sabe, para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento, te supreenderás pensando algo como 'estou contente outra vez'; ou simplesmente 'continuo', porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como 'sempre' ou 'nunca'. Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. (...) Contidamente, continuamos. E substituímos expressões fatais como 'não resistirei' por outras mais mansas, como 'sei que vai passar'. Esse é o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência. Claro que, no começo, não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que, no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás, com cuidado, de 'uma ausência'. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam; embora saibas que há perdas realmente irreparáveis, e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. (...)"

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