sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Podemos procurar cada uma das palavras, podemos juntá-las todas. Talvez elas façam sentido, talvez elas estejam, somente, em um processo de busca. Talvez elas tentem cotidianamente atingi-los. Talvez elas busquem um comportamento de correspondência. Talvez seja mais simples escrever em terceira pessoa. Talvez seja menos intimidador. As suas imaginações descansam, ali... beirando as paredes de vidas alheias, algumas próximas, outras nem tanto. A poesia, ou a conversa que vai construindo não precisa de uma mirabolante ficção cientifica. Nossas vidas nunca deixaram de ser, em parte, personagens nossos. E, saiba, eu guardo as imagens de histórias que um dia talvez possa contar. O pôr-do-sol à beira mar. A conversa sobre livros, sobre arte. Os sentimentos não correspondidos. As pessoas que se afastam. Aquelas das quais sente falta. O vento forte da madrugada batendo rosto. O colo. Os sonhos. As decepções. Um dia podem construir vidas em terceira pessoa. Cada linha, ainda que com outro nome, com outra experiência, com outra idade, com outros sonhos... São as minhas escolhas saindo pela ponta dos dedos. Não devem me perguntar o quanto cada palavra é pessoal. Devem se perguntar, o quanto pode não ser? Nem eu saberia, de fato. O quanto foi vivido, o quanto foi imaginado. Será que alguém realmente acha possível mensurar sentimentos a esse ponto? Deixo as certezas de lado. Assim como transpareço entre sentimentos estranhos o medo de algumas palavras, medo, justamente das certezas que elas anunciam. Deixo o amor, esse estático, aguardar por palavras mais maduras (não necessariamente pelo tempo). E vou ao encontro do verbo, o “amar” que flutua... entre lugares, experiências e pessoas.

Por não estarem distraídos (Clarice Lispector)

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque — a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras — e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
As vezes parece que as frases vêm prontas. De um folego só, com uma velocidade quase superior a sua consciência. Elas encaixam-se na minha vida. Procuram a terceira pessoa, um personagem em que possam se sustentar e completar um ciclo. Se me deixa vulnerável? Claro. Sou eu. Ao mesmo tempo o corpo descansa tranquilo, feliz, entre folhas amareladas que esperam o dia seguinte.

A falha

Do que mais eu preciso? Afugentar esses medos enraizados. Admitir a necessidade de começar outra coisa, ainda que não saiba exatamente o que. Preciso romper laços para dar início a outros. Preciso admitir a minha confusão para poder desejar que qualquer pessoa seja capaz de me aceitar. Preciso de um descanso, um desses que deixa tudo tão quieto que o som da respiração parece grito. Preciso mais ainda do silêncio. Mas aquele silêncio, aquele em que alguém lhe socorre e segura sua mão. Preciso da palavra equilíbrio estampada no meu rosto. Preciso das utopias que deixei adormecer. Preciso voltar a acreditar em tanta coisa. A primeira delas é acreditar em quem eu encontro do outro lado do espelho. Preciso que o tempo se alterne, que ele seja lento, que ele seja rápido. Preciso que ele acompanhe a minha pulsação. Preciso escolher ou posso seguir todos os caminhos?