quinta-feira, 21 de junho de 2012

Ele e ela

Guardava um pedaço do corpo. Tentava sentir o rosto, ouvir a voz. A vontade era aproximar o máximo possível. Eles se encontravam. De um modo meio descrente. Só se viam, deixavam as mãos juntas, falavam, sorriam. Quase choravam quando necessário, pelo menos ela. Andando sozinha por ruas mais que conhecidas, cada trecho, cada esquina, cada bar... a memória não filtra. Mantêm preso cada detalhe. Cada palavra se nutre de um sentido absurdo. Ocasionalmente na mesma mesa, ela quase se apropria desse sentimento absurdo que impregna, que invade. Parece que todo o sentido está aqui, nessas poucas horas, nesses dias que eu fico vivendo ininterruptamente até agora. O eu se mistura ao dele. Parece que fica um medo de deixar reconhecível, de ficar claro demais cada um desses sentidos que transparece por aqui. Ele se consagra no suor, nas mãos frias, no nervosismo. As vezes eu acho que ficar longe, e se manter longe, é de fato a melhor alternativa. Os olhos se abrem ao extremo. O ouvido apurado pra ouvir qualquer um dos sussurros. O nome se prende na memória. Em qualquer lugar que vá, parece o único. Talvez a lembrança tenha de fato o poder de eternizar as coisas. Vou deixar o corpo fingir por mim. Enquanto eu conto aos poucos e sinto forte demais. Eu era puro medo, pura entrega. Deixava a liberdade extrema se infiltrar pelos poros. Como se cada letra gritasse. Pelo som calmo demais que segue por aqui. Se deixa ficar. Estar. Vai seguindo pela calmaria, se é que possível. Se é que ainda resta tempo. Tem o corpo marcado, a vida meio diluída. Só lembra de uns fragmentos, de uns trechos. Vai preenchendo as lacunas, construindo uma vida nova. Ela não era toda feita de boas histórias. E, aqui, vai tentando pelos dias, pelas horas, pelo tempo renovar o que resta. O tempo não é preciso. A vida não foi perfeita. Alterna sentimentos bons e ruins. Vai sonhando mais que sentindo mas, afinal, quem pode dizer que nos sonhos não se vive, não se sente? Pressente. Supõe. Constrói. E mantêm o não querer esquecer. Fica mais forte, o corpo preso à memória. Guarda, assim, os detalhes do que é possível. Se pode sonhar outra vez, que comece agora.

A personagem

A personagem é de fato quem quer ser. Pelo menos por uma noite, extrapolando limites, indo aos extremos, excedendo. Na manhã do dia seguinte os excessos cometidos fazem diferença. Semana conturbada, se deixou fora de si por muito tempo. Entre mensagens, ligações e encontros desnecessários. Sem arrependimentos absurdos, quase não faz parte dela esse pedido insano de desculpas. Se quiser que queira assim. Será que tem certeza disso? Lapsos claros na memória, horas apagadas, sono insuficiente, dor de cabeça. Disfarça o tropeço público. Hoje espera que o olhar tenha sido menos explicito do que lembra. O que descontrola alguém assim? Tem medo de abrir a vida, mas abre. Tem medo de falar alto, mas grita. Tem medo de olhar e falar, mas sente. Tranca o caos, guarda, e explode. Insuportável até para ela mesma. O cuidado anula um pouco a vida. E vai pelo meio das ruas, a hora que for, e vai por caminhos estranhos, como se a confiança, o excesso, o descaso... a protegesse. A vida está chamando agora. Precisa ser mais racional, sensata, até a loucura impõem seus limites. Por hora, senta diante da tela, se protege na personagem que só pensa que é. Enquanto esconde as imperfeições do corpo, dos desejos (nem sempre reais) do que precisa? Agora? Ver o céu. A dimensão dos sentimentos e a reação à eles não pode ser compreendida por aqui. As pessoas se protegem de modos diferentes. Tem medo de modos diferentes. Sentem de modos diferentes. Pena que esse modo pode ser insuportável para todos. Agora faz sentido. Como se convive com um personagem tão instável? Se alguém souber me conta. O sonho e o desejo se anulam. Deixa de achar possível uma mudança nos dias seguintes. Depois da noite. Parece que o tempo passa devagar. Alguma coisa errada, que não lembra. Acorda com o rosto marcado da noite mal dormida, com sobras de maquiagem nos olhos. Com vontades precipitadas. Com ações precipitadas. Mas será que as pessoas realmente devem se impor controle? Se quer ligar, se quer escrever, se quer tentar, desistir, lutar, sentir, fazer, gostar... que faça! Se as pessoas se importam com as reações, as vezes estranhas demais talvez (na verdade eu sei que são) pode pura e simplesmente ser a indicação que essa idéia de caminho era precipitada demais (errada). Os encontros são diferentes, os sentimentos nunca são claros assim. Sem paranóia, sem precipitações, sem excessos, sem confusão, sem caos, sem loucura (só por um tempo), me despeço. A vida segue, e por um tempo, tenho outras coisas a fazer.

Ela

ela é diferente. de um jeito meio torto. se joga fácil, se rende. sem cuidados, sem controles. é distante. passa o tempo contando a vida, abre o livro inteiro e deixa a história voar por aí. palavras descontroladas, frases de efeito sem filtros. sem cuidados. a unha vermelha descascando, o lápis manchando o olho. ela deixou o corpo leve. que a paranóia dos outros fique longe. se te olham diferente deixa olhar. se faz coisas inaceitáveis deixa fazer. precisa fazer o que? ser diferente? agir diferente? fingir? as pessoas ao redor olham sem calma. mais que observam, julgam. se me incomoda? as vezes. se me machuca? as vezes? mas essas são as que menos importam. tem melhores formas de se fazer um convite. tem reações mais cuidadosas. ela deseja mais que pode. fato. ela faz mais do que deve? não sei. os limites se guardam em outras pessoas. uma delas importava. em processo de deixar de importar. só sei que ela pediu um tempo de calma. só sei que ela deixou de esperar pra viver. só sei, que não vai se espelhar em ninguém. se quer saber... o tempo é pouco, a vida é curta. não espera mais tempo e salta do mais alto pra vida. ela anda pela rua mais feliz. ela canta alto com os fones de ouvido. importa que a escutem. ela sabe o que faz bem. se outros sabem, deixa assim. fica perto. mais tempo perto. não deseja mais tocar, falar. mas tem a necessidade incrivel de ver. deixa passar longe. olha pelo canto do olho. fala mais do que devia. deixa uma ligação desnescesária contar do fim de semana. sem ele por perto. o outro lado da linha parecia estranho, parecia não conhecer. até a parte que lembra claro. o que falou? o que ouviu? realmente importa? importa que a mensagem não foi respondida. importa que não liga de volta. importa que passou. se ela quer ficar inventando desculpas pros outros... será que é a única a fazer isso? mas... mas... mas... quando alguém precisa de palavras explicitas... não adianta amenizar.